sábado, 19 de fevereiro de 2011

POESIA - ANTÓNIO ALEIXO

António Aleixo, notável poeta popular português, nasceu em Vila Real de Santo António, a 18 de Fevereiro de 1899. Embora com um dia de atraso, não quis deixar de fazer a publicação sobre biografia e poesia deste poeta popular e vendedor de jogo. Poeta irónico e com vasto sentido crítico social, Aleixo é recordado como um homem simples e de trato afável. Com várias profissões exercidas ao longo da sua vida, e depois de imigrante em França, acaba por regressar a Portugal e estabelecer-se em Loulé como vendedor de cautelas. Por este motivo acabou por ficar conhecido nesta vila algarvia pela alcunha de poeta-cauteleiro, o homem que escreveu sobre a sorte do jogo a seguinte quadra: «De vender a sorte grande, Confesso, não tenho pena; Que a roda ande ou desande Eu tenho sempre a pequena.»

No Poet'anarquista uma homenagem ao poeta em forma de décimas, uma faceta talvez menos conhecida da sua obra. As quadras espontâneas de crítica social e política  ficaram imortalizadas com «Este Livro Que Vos Deixo».
Poet'anarquista 
António Aleixo
Poeta Popular Português
BIOGRAFIA
Considerado um dos poetas populares algarvios de maior relevo, famoso pela sua ironia e pela crítica social sempre presente nos seus versos, António Aleixo também é recordado por ter sido simples, humilde e semi-analfabeto, e ainda assim ter deixado como legado uma obra poética singular no panorama literário português da primeira metade do século XX.
No emaranhado de uma vida recheada de pobreza, mudanças de emprego, emigração, tragédias familiares e doenças, na sua figura de homem humilde e simples, havia o perfil de uma personalidade rica, vincada e conhecedora das diversas realidades da cultura e sociedade do seu tempo. Do seu percurso de vida fazem parte profissões como tecelão, guarda de polícia e servente de pedreiro, trabalho este que, como emigrante foi exercido em França.
De regresso ao seu país natal, estabeleceu-se novamente em Loulé, onde passou a vender cautelas e a cantar as suas produções pelas feiras portuguesas, actividades que se juntaram às suas muitas profissões e que lhe renderiam a alcunha de "poeta-cauteleiro".
Faleceu por conta de uma tuberculose, em 16 de Novembro de 1949, doença que tempos antes havia também vitimado uma das suas filhas.
ESTILO LITERÁRIO
Poeta possuidor de uma rara espontaneidade, de um apurado sentido filosófico e notável pela «capacidade de expressão sintética de conceitos com conteúdo de pensamento moral», António Aleixo tinha por motivos de inspiração desde as brincadeiras dirigidas aos amigos até à crítica sofrida das injustiças da vida. É notável na sua poesia a expressão concisa e original de uma "amarga filosofia, aprendida na escola impiedosa da vida".
A sua conhecida obra poética é uma parte mínima de um vasto repertório literário. O poeta, que escrevia sempre usando a métrica mais comum na língua portuguesa (heptassílabos, em pequenas composições de quatro versos, conhecidas como "quadras" ou "trovas"), nunca teve a preocupação de registar as suas composições. Foi o trabalho de Joaquim de Magalhães, que se dedicou a compilar os versos que eram ditados pelo poeta no intuito de compor o primeiro volume de suas poesias (Quando Começo a Cantar), com o posterior registo do próprio poeta tendo o incentivo daquele mesmo professor, a obra de António Aleixo adquiriu algum trabalho documentado. Antes de Magalhães, contudo, alguns amigos do poeta lançaram folhetos avulsos com quadras por ele compostas, mais no intuito, à época, de angariar algum dinheiro que ajudasse o poeta na sua situação de miséria, que com a intenção maior de permanência da obra na forma escrita.
Estudiosos de António Aleixo ainda conjugam esforços no sentido de reunir o seu espólio, que ainda se encontra fragmentado por vários pontos do Algarve, algum dele já localizado. Sabe-se também que vários cadernos seus de poesia, foram cremados como meio de defesa contra o vírus infeccioso da doença que o vitimou, sem dúvida, um «sacrifício» impensado, levado a cabo pelo desconhecimento de seus vizinhos. Foi esta uma perda irreparável de um património insubstituível no vasto mundo da literatura portuguesa.
A OPINIÃO PÚBLICA E AMIGOS RECONHECIDOS
A partir da descoberta de Joaquim de Magalhães, o grande responsável por "passar a limpo" e registar a obra do poeta, António Aleixo passou a ser apreciado por inúmeras figuras da sociedade e do meio cultural algarvio. Também é digno de registo José Rosa Madeira, que o protegeu, divulgou e coleccionou os seus escritos, contribuindo no lançamento do primeiro livro, "Quando Começo a Cantar" (1943), editado pelo Círculo Cultural do Algarve.
A opinião pública aceitou a primeira obra de António Aleixo com bom agrado, sendo bem acolhida pela crítica. Com uma tiragem de cerca de 1.100 exemplares, o livro esgotou-se em poucos dias, o que proporcionou ao Poeta Aleixo uma pequena melhoria de vida, contudo ensombrada pela morte de uma filha sua, doente com tuberculose. Desta mesma doença viria o poeta a sofrer pelos tratamentos que a vida lhe foi impondo, tendo que ser internado no Hospital Sanatório dos Covões, em Coimbra, a 28 de Junho de 1943.
Em Coimbra começa uma nova era para o poeta que descobre novas amizades e deleita-se com novos admiradores, que reconhecem o seu talento, de destacar o Dr. Armando Gonçalves, o escritor Miguel Torga e António Santos (Tóssan), o artista plástico e autor da mais conhecida imagem do poeta algarvio, e amigo que nunca o desamparou nas horas difíceis. Os seus últimos anos de vida foram passados, ora no sanatório em Coimbra, ora no Algarve, e em Loulé.
Fonte: Wikipédia
António Aleixo
Retrato por Tóssan
Poeta português, natural de Vila Real de Santo António. Sem qualquer formação literária, foi tecelão, servente de pedreiro, pastor de cabras e cauteleiro, actividades que o levaram a um percurso nómada, particularmente esta última, propiciador de uma apurada reflexão sobre vários aspectos da vida em seu redor. 
O tom dorido da sua poesia reflecte bem a vida difícil que teve. As suas quadras, fruto da sua veia poética, aliada a uma grande sabedoria popular, integram-se numa tradição da poesia e da música populares, com uma estrutura simples a nível dos versos e uma expressão muitas vezes humorística, eficaz quanto à revelação de aspectos sociais contraditórios ou injustos. 
As quadras encontram-se reunidas em Quando Começo a Cantar (1943), Auto da Vida e da Morte (1948), Este Livro que Vos Deixo (1969) e Inéditos de António Aleixo (1978).
Fonte: Astormentas
 Aleixo
Estátua em Loulé
A BICICLETE

MOTE 

Meu amor já veio de França,
Trouxe-me uma biciclete;
Ele diz que aquilo cansa,
Mas também não paga frete.

GLOSAS

No dia em que ele chegou
foi ao meu sítio passear,
Pra me ver e pra mostrar
A lembrança que comprou.
Quando em minha casa entrou,
Eu vi a linda lembrança,
E assim me nasceu a esperança
De andar naquilo também...
Fui dizer à minha mãe:
Meu amor já veio de França.

"Se queres. monto-te agora..."
Montou-me, mas foi agoiro,
Aquilo deu logo um estoiro.
Ele disse: "Não demora."
Tirou a coisa pra fora,
Que noutra coisa se mete.
Deu seis sacadas ou sete,
E logo a roda se encheu.
Enfim, para andar mais eu
Trouxe-me uma biciclete...

Às vezes manda-me pôr
No quadro, à frente, e abala.
Depois é ele que pedala,
Mas entrega-me o guiador.
Já tenho dito: "Ai, amor,
Com que força isto avança."
Gosto de andar nesta dança,
Pois não pedalo, nem nada;
Eu vou muito descançada,
Ele diz que aquilo cansa.

Na velocidade, murmuro,
Digo: "Ai, amor, vou prò céu...
Vê-lá se rompe algum pneu,
Conta amor com algum furo..."
Diz ele: "O pneu está duro,
Só um prego que se espete,
Ou alguma camionete
Que não buzine, nem toque."
Sujeita-se a gente ao choque,
Mas também não paga frete!
António Aleixo

O PINCEL

MOTE 

Fui uma noite pintar
Com um caneco emprestado;
Eu pintei sem reparar,
Pintei e fiquei pintado.

GLOSAS

Eu comecei com jeitinho
A compor o ramalhete;
Primeiro foi com azeite
E depois foi com cuspinho.
No começo era estreitinho,
Custava o pincel a entrar...
Começa a dona a gritar:
"Não me parta a tigelinha",
Mas que coisa engraçadinha,
Fui uma noite pintar...

Comecei devagarinho...
Quando fui ao outro mundo
Meti o pincel ao fundo
E parti o canequinho.
Até mesmo o pincelinho
Veio de lá todo pintado,
Eu já estava desmaiado,
Perdendo as cores do rosto;
Mas pintei com muito gosto
Com um caneco emprestado.

Vem a mãe toda zangada:
"Tem que pagar-me a vasilha...
No caneco da minha filha
Não pinta você mais nada...
...Lá isto, a moça deitada,
Sem poder levantar-se,
Com tanta tinta a pingar
No lugar da rachadela!..."
"Diga lá, que desculpe ela,
Eu pintei sem reparar!"...

Pra que vejam que sou pintor
E meu pincel nunca deixo;
Pra que saibam que o Aleixo
Não é somente cantor...
Também pinto qualquer flor
E faço qualquer bordado;
Mas aqui o ano passado,
Perdi, de pintar, o tino...
Fui pintar, fiz um menino,
Pintei e fiquei pintado. 
António Aleixo

SOBRE SI PRÓPRIO

Fui polícia, fui soldado,
Estive fora da Nação,
vendo jogo, guardo gado,
Só me falta ser ladrão!...

Em resposta a algumas provocações de meninos mal-criados:

Não sou esperto nem bruto
Nem bem nem mal educado;
Sou simplesmente o produto
Do meio em que fui criado.

Mas a mais célebre é sem dúvida a quadra de improviso com que respondeu a
quem pôs em causa a sua honestidade ou se referiu à forma andrajosa como se
vestia: 


Sei que pareço um ladrão...
Mas há muitos que eu conheço
Que, sem parecer o que são,
São aquilo que eu pareço. 
António Aleixo

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