sábado, 23 de julho de 2011

«VERSOS ÍNTIMOS»

O grande poeta brasileiro Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos (Augusto dos Anjos) novamente com honras de publicação no Poet'anarquista, hoje com a transcrição do soneto «Versos Íntimos». Identificado muitas vezes como simbolista ou parnasiano, muitos críticos concordam em situá-lo como pré-modernista.
Poet'anarquista
«Augusto dos Anjos»
Poeta Brasileiro
BREVES NOTAS 

Augusto dos Anjos é um poeta único na literatura brasileira. Publicou quase toda a sua obra poética no livro «Eu», que saiu em 1912. O livro foi depois enriquecido com outras poesias esparsas do autor e tem sido publicado em diversas edições, com o título «Eu e Outras Poesias». Se bem que nos tivesse deixado apenas este único trabalho, o poeta merece um lugar na tribuna de honra da poesia brasileira, não só pela profundidade filosófica que transpira dos seus pensamentos, como pela fantasia das suas divagações pelo mundo científico. São versos que transportam a dor humana ao reino dos fenómenos sobrenaturais. O estilo de Augusto dos Anjos é correcto e as suas composições são testemunhos de uma primorosa originalidade.

Ninguém o compreendeu, ninguém lhe leu os versos nos cafés superficialmente afrancesados do Rio de Janeiro, e é conhecida a cena de um dos seus raros admiradores que leu um soneto de Augusto dos Anjos a Olavo Bilac e recebeu a resposta desdenhosa: «É este o seu grande poeta? Fez bem ter morrido!». Foi uma época de eclipse do sal, de trevas ao meio-dia.

Quem salvou a fama póstuma de Augusto dos Anjos foi o seu povo, o do Nordeste e do interior do Brasil. A abundância de estranhas expressões científicas, e de palavras esquisitas nos seus versos, atraiu os leitores semi-cultos que não compreenderam nada da sua poesia. Ficaram, no entanto, fascinados pelas metáforas de decomposição  dos seus versos, assim como estavam em decomposição nas suas vidas. Nada menos que 31 edições do seu livro «Eu» dão testemunho dessa imensa popularidade que é o reverso da medalha - repeliu os leitores exigentes, de tal modo que, até durante a fase modernista da literatura brasileira, os versos de Augusto dos Anjos passaram por exemplos de mau gosto de uma época superada. A obra de Augusto dos Anjos retrata um mundo que se desagrega, em contraposição a um outro, que surge das ruínas. 
Fonte: passeiweb
«VERSOS ÍNTIMOS»

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

Augusto dos Anjos

1 comentário:

Anónimo disse...

Realmente, neste poema está bem retratado o quanto Augusto dos Anjos amargou seu ostracismo, uma vez que em vida seu talento não conheceu o devido reconhecimento.

E quão rico é o seu universo poético, hoje altamente valorizado, que o coloca no pico dos melhores versistas de língua portuguesa!

Como a vida é mestra... Sua luz não se extinguiria, e de onde menos se supunha, nasce-lhe a veneração e fama: do seio dos menos letrados de seu país!

Valeu, Carlos, por mais este passeio por páginas de seu admirável blog!***