sábado, 26 de novembro de 2011

POESIA - GREGÓRIO DE MATOS

Gregório de Matos Guerra, mais conhecido por «Boca do Inferno» ou «Boca de Brasa», alcunha que ganhou devido a um período de escrita da sua obra poética erótica-obscena, nasceu em Salvador no Brasil, a 23 de Dezembro de 1636. Grande poeta brasileiro, considerado por muitos como o maior do barroco e o mais importante poeta satírico da literatura em língua portuguesa da sua época, faleceu a 26 de Novembro de 1695 no Recife.
Poet'anarquista
Gregório de Matos
Poeta Brasileiro
BIOGRAFIA

Gregório de Matos Guerra era o terceiro filho de um fidalgo português, estabelecido no Recôncavo baiano como senhor de engenho, e de uma brasileira. Ao contrário dos irmãos mais velhos que não se adequaram aos estudos e dedicaram a ajudar o pai na fazenda, Gregório recebeu instrução na infância e adolescência e foi enviado para a Universidade de Coimbra, onde se bacharelou em direito.

Teria sido juiz do Cível, de Crime e de Órfãos em Lisboa durante muitos anos. Na Corte portuguesa, envolveu-se na vida literária que deixava o maneirismo camoniano e atingia o barroco, seguindo as influências espanholas de Gôngora e Quevedo. Por essa ocasião, teria também casado e tido acesso ao rei Pedro II, de quem ganhou simpatia e favores.

A sátira política tornou-se uma das vertentes mais conhecidas da sua obra poética.

A sua sorte, porém, mudou bruscamente. Enviuvou e caiu em desgraça com o rei, segundo alguns biógrafos, por intriga de alguém ridicularizado num dos seus poemas satíricos. Acabou regressando à Bahia em 1681, a princípio trabalhando para o Arcebispo, como tesoureiro-mor, mas logo desligado das suas funções.

Casou-se, então, com Maria dos Povos, a quem dedicou um dos seus sonetos mais famosos. Vendeu as terras que recebera de herança e, segundo consta, guardou o dinheiro num saco no canto da casa, gastando-o à vontade e sem fazer economia. Ao mesmo tempo, tratou de exercer a advocacia, escrevendo argumentações judiciais em versos.

A certa altura, resolveu abandonar tudo e saiu pelo Recôncavo como cantador itinerante, convivendo com o povo, frequentando as festas populares, banqueteando-se sempre que convidado. É nessa época que se avoluma a sua obra satírica (inclusive erótico-obscena) que iria valer-lhe o apelido de «Boca do Inferno». Mas foi a crítica política à corrupção e o arremedo aos fidalgos locais que resultaram na sua deportação para Angola.

De lá só regressou em 1695, com a condição de se estabelecer em Pernambuco e não na Bahia, além de evitar as sátiras. Segundo os estudiosos, nesses momentos finais de vida, tornou-se mais devoto e deu vazão à poesia religiosa, em que pede perdão a Deus pelos seus pecados. 

Vale a pena lembrar que a fama de Gregório de Matos - um dos grandes poetas barrocos não só do Brasil, mas da língua portuguesa - é devida a uma obra efectivamente sólida, em que o autor soube manejar os cânones da época, seja de modo erudito em poemas líricos de cunho filosófico e religioso, seja na obra satírica de cunho popularesco. O virtuosismo estilístico de Gregório de Matos não encontra um rival à altura na poesia portuguesa do mesmo período.
Fonte: UOLEducação

«Obra Poética»
Gregório de Matos Guerra

DEFINE A SUA CIDADE

De dous ff se compõe
esta cidade a meu ver:
um furtar, outro foder. 

Recopilou-se o direito,
e quem o recopilou
com dous ff o explicou
por estar feito, e bem feito:
por bem digesto, e colheito
só com dous ff o expõe,
e assim quem os olhos põe
no trato, que aqui se encerra,
há de dizer que esta terra
de dous ff se compõe.

Se de dous ff composta
está a nossa Bahia,
errada a ortografia,
a grande dano está posta:
eu quero fazer aposta
e quero um tostão perder,
que isso a há de perverter,
se o furtar e o foder bem
não são os ff que tem
esta cidade a meu ver.

Provo a conjetura já,
prontamente como um brinco:
Bahia tem letras cinco
que são B-A-H-I-A:
logo ninguém me dirá
que dous ff chega a ter,
pois nenhum contém sequer,
salvo se em boa verdade
são os ff da cidade
um furtar, outro foder.

Gregório de Matos

DESCREVE O QUE ERA NAQUELE TEMPO A CIDADE DA BAHIA

A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar cabana e vinha;
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.

Em cada porta um bem frequente olheiro,
Que a vida do vizinho e da vizinha
Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,
Para o levar à praça e ao terreiro.

Muitos mulatos desavergonhados,
Trazidos sob os pés os homens nobres,
Posta nas palmas toda a picardia,

Estupendas usuras nos mercados,
Todos os que não furtam muito pobres:
E eis aqui a cidade da Bahia.

Gregório de Matos

A DESPEDIDA DO MAU GOVERNO QUE FEZ O GOVERNADOR DA BAHIA.

Senhor Antão de Sousa de Menezes,
Quem sobe ao alto lugar, que não merece,
Homem sobe, asno vai, burro parece,
Que o subir é desgraça muitas vezes.

A fortunilha, autora de entremezes
Transpõe em burro o herói que indigno cresce:
Desanda a roda, e logo homem parece,
Que é discreta a fortuna em seus reveses.

Homem sei eu que foi vossenhoria,
Quando o pisava da fortuna a roda,
Burro foi ao subir tão alto clima.

Pois, alto! Vá descendo onde jazia,
Verá quanto melhor se lhe acomoda
Ser homem embaixo do que burro em cima.

Gregório de Matos

1 comentário:

Camões disse...

Muito curioso...

Em «DEFINE A SUA CIDADE», de Gregório de Matos encontramos:

Métrica, ao Ritmo, à Rima, desde o Terceto Mote, à Glosa com três décimas espelhadas e de retorno a cada um dos três versos.

Entre 1636 e 1695 (séc. XVII), como se pode constatar, já se escreviam décimas no Brasil.

Assim sendo, qual a origem e a que época da história remontam as décimas?

Mesmo muito interessante!