quinta-feira, 16 de agosto de 2012

POESIA - ANTÓNIO NOBRE

O poeta português António Pereira Nobre, ou simplesmente António Nobre, nasceu no Porto a 16 de Agosto de 1867. A sua obra insere-se nas correntes ultra-romântica, simbolista, decadentista e saudosista da geração de finais do séc. XX. O livro de poesia «Só» é talvez a sua principal referência na literatura portuguesa, marcando um período de lamentação e nostalgia e, ao mesmo tempo, uma auto-ironia poética marcando a rotura com o género poético. António Nobre faleceu na Foz do Douro, a 18 de Março de 1900.
Poet’anarquista 
António Nobre
Poeta Português
SOBRE O POETA…

Poeta português, natural do Porto. Após uma passagem pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, entre 1888 e 1890, seguiu para Paris, onde concluiu os estudos de Ciências Políticas em 1895. Aí, contactou com Eça de Queirós, que era, na altura, cônsul de Portugal e escreveu a maior parte dos poemas que viriam a constituir o «Só». Publicado em Paris, em 1892, num período em que o simbolismo era a corrente dominante, o «Só» pouco tem a ver com esta corrente, o que poderá explicar as críticas geralmente negativas com que a obra foi recebida em Portugal. O ingresso na carreira diplomática, que pretendia, não lhe foi possível, por, na altura, já sofrer de tuberculose. Efectuou viagens à Suíça, Madeira e Nova Iorque, procurando a cura para a doença que viria a vitimá-lo. O exílio de Nobre em Paris e as circunstâncias críticas do seu estado de saúde contribuíram em muito para as características da sua obra, que não deixa de reflectir algumas influências simbolistas e decadentistas. 

Marcado por uma infância feliz no norte provinciano, entretanto perdida, desenraizado da sua pátria (ou, dentro dela, sentindo com amargura a sua estagnação – como se percebe em Carta a Manuel), procurou recuperar um pitoresco português ligado à vida dos simples, ao seu vigor e à sua tragédia. Por eles, sentia uma ternura ingénua, pueril, numa atitude romântica e saudosista que marcou profundamente a posterior literatura portuguesa e o aproximou de figuras literárias como Guerra Junqueiro e, sobretudo, Garrett, por quem o autor confessou a sua admiração no poema sintomaticamente intitulado Viagens na minha terra («Ora, às ocultas, eu trazia / No seio, um livro e lia, lia / Garrett da minha paixão») e a quem se refere igualmente no poema Saudade («Saudade, saudade! Palavra tão triste, / E ouvi-la faz bem: / Meu caro Garrett, tu bem na sentiste, / Melhor que ninguém!»). O regresso a um passado feliz, que transfigura a realidade, poetizando-a e aproximando-a da intimidade do poeta, foi acompanhado de alguma ironia amarga perante o que achava ser a agonia de Portugal e a sua própria, num sentimentalismo aparentemente simples que reflecte uma dimensão mítica, por vezes um certo visionarismo, da sua vivência da saudade, do exílio, da pátria e da poesia, temas recorrentes da sua obra. 

Marcantes, ainda, na sua obra são o seu pessimismo e a obsessão da morte (como em Balada do Caixão, Ca(ro) Da(ta) Ver(mibus), Males de Anto ou Meses depois, num cemitério), o fatalismo com a sua predestinação para a infelicidade (como em Memória, Lusitânia No Bairro Latino ou D. Enguiço) e o apreço pela paisagem e pelos tipos pitorescos portugueses (como na segunda e terceira partes de António, Viagens na Minha Terra ou no soneto Poveirinhos! Meus velhos pescadores). 

António Nobre, recusando a elaboração convencional, oratória e elevada da linguagem, libertou-a, procurando um tom de coloquialidade, sensível mais que reflexivo, cheio de ritmos livres e musicais, afectivo, oral, precursor de muitos aspectos da modernidade e acompanhado de uma imagística rica e original. O seu único livro publicado em vida, «Só» (1892), «que é o livro mais triste que há em Portugal», segundo palavras do próprio autor, foi um dos grandes marcos da poesia do século XIX. Na reedição de 1898, Nobre dividiu o livro em secções, construindo o percurso de vida de uma personagem. «Memória» abre a obra, marcando, desde o início, a ascendência mítica dessa personagem que, fadada para ser um «Príncipe» e um poeta, simbolicamente fica órfão e erra em busca da sua identidade – individual, de «Anto», e colectiva, já que o eu simboliza Portugal e os portugueses na crise do fim do século. 

António Nobre colaborou em revistas como A Mocidade de Hoje (1883) e Boémia Nova (1889). Na sua obra póstuma, constam Despedidas 1895-1899 (1902, que inclui um fragmento de um poema sebastianista de intenção épica, O Desejado), Primeiros Versos 1882-1889 (1921) e alguns volumes de correspondência.
Fonte: Astormentas


NÃO REPARAM NUNCA?

Não repararam nunca? Pela aldeia,
Nos fios telegráficos da estrada,
Cantam as aves, desde que o Sol nada,
E, à noite, se faz sol a Lua cheia.

No entanto, pelo arame que as tenteia,
Quanta tortura vai, numa ânsia aiada!
O Ministro que joga uma cartada,
Alma que, às vêzes, dAlém-Mar anseia:

- Revolução! - Inútil. - Cem feridos,
Setenta mortos. - Beijo-te! - Perdidos!
- Enfim, feliz! - ? - ! - Desesperado. - Vem.

E as boas aves, bem se importam elas!
Continuam cantando, tagarelas:
Assim, Antônio! deves ser também. 

António Nobre

VOU SOBRE O OCEANO (O LUAR, DE DOCE, ENLEVA!)

Vou sobre o Oceano (o luar, de doce, enleva!)
Por este mar de Glória, em plena paz.
Terra da Pátria somem-se na treva,
Águas de Portugal ficam, atrás.

Onde vou eu? Meu fado onde me leva?
António, onde vais tu, doido rapaz?
Não sei. Mas o Vapor, quando se eleva,
Lembra o meu coração, na ânsia em que jaz.

Ó Lusitânia que te vais à vela!
Adeus! que eu parto (rezarei por ela)
Na minha Nau Catrineta, adeus!

Paquete, meu Paquete, anda ligeiro,
Sobe depressa à gávea, Marinheiro,
E grita, França! pelo amor de Deus! 

António Nobre

BALADA DO CAIXÃO

O meu vizinho é carpinteiro,
Algibebe de Dona Morte,
Ponteia e cose, o dia inteiro,
Fatos de pau de toda a sorte:
Mognos, debruados de veludo,
Flandres gentil, pinho do Norte...
Ora eu que trago um sobretudo
Que já me vai a aborrecer,
Fui-me lá, ontem: (Era Entrudo,
Havia imenso que fazer...)
- Olá, bom homem! quero um fato,
Tem que me sirva? - Vamos ver...
Olhou, mexeu na casa toda.
- Eis aqui um e bem barato.
- Está na moda? - Está na moda.
(Gostei e nem quis apreçá-lo:
Muito justinho, pouca roda...)
- Quando posso mandar buscá-lo?
- Ao pôr-do-Sol. Vou dá-lo a ferro:
(Pôs-se o bom homem a aplainá-lo...)

Ó meus Amigos! salvo erro,
Juro-o pela alma, pelo Céu:
Nenhum de vós, ao meu enterro,
Irá mais dândi, olhai! do que eu!

António Nobre

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