sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

POESIA - JOSÉ GOMES FERREIRA

O poeta, escritor e ficcionista português José Gomes Ferreira, nasceu no Porto a 9 de Junho de 1900, e a sua obra é considerada pelos críticos de grande proximidade com o neo-realismo. O seu livro «Poesia III», de 1961, recebeu o «Grande Prémio de Poesia da Sociedade Portuguesa de Autores» e, em 1965, com o livro «A Memória das Palavras», recebeu o «Prémio da Casa de Imprensa».  José Gomes Ferreira faleceu em Lisboa, a 8 de Fevereiro de 1985.
Poet’anarquista
José Gomes Ferreira
Poeta Português
SOBRE O POETA…

Escritor, poeta e ficcionista português, natural do Porto. Formou-se em Direito em 1924, tendo sido cônsul na Noruega entre 1925 e 1929. Após o seu regresso a Portugal, enveredou pela carreira jornalística. Foi colaborador de vários jornais e revistas, tais como a Presença, a Seara Nova e Gazeta Musical e de Todas as Artes. Esteve ligado ao grupo do Novo Cancioneiro, sendo geral o reconhecimento das afinidades entre a sua obra e o neo-realismo.

José Gomes Ferreira foi um representante do artista social e politicamente empenhado, nas suas reacções e revoltas face aos problemas e injustiças do mundo. Mas a sua poética acusa influências tão variadas quanto a do empenhamento neo-realista, o visionarismo surrealista ou o saudosismo, numa dialética constante entre a irrealidade e a realidade, entre as suas tendências individualistas e a necessidade de partilhar o sofrimento dos outros. 

Da sua obra poética destacam-se, para além do volume de estreia,« Lírios do Monte» (1918), «Poesia», «Poesia II» e «Poesia III» (1948, 1950 e 1961, respetivamente), recebendo este último o Grande Prémio de Poesia da Sociedade Portuguesa de Escritores. A sua obra poética foi reunida em 1977-1978, em «Poeta Militante».

O seu pendor jornalístico reflete-se nos volumes de crónicas «O Mundo dos Outros» (1950) e «O Irreal Quotidiano» (1971). No campo da ficção escreveu O Mundo Desabitado (1960), Aventuras de João Sem Medo (1963), Imitação dos Dias (1966), Tempo Escandinavo (1969) e O Enigma da Árvore Enamorada (1980).

O seu livro de reflexões e memórias, «A Memória das Palavras» (1965), recebeu o Prémio da Casa da Imprensa. É ainda autor de ensaios sobre literatura, tendo organizado, com Carlos de Oliveira, a antologia «Contos Tradicionais Portugueses» (1958). 

Em Junho de 2000, foi lançada no porto a coletânea «Recomeço Límpido», que inclui versos e prosas de dezenas de autores em homenagem a José Gomes Ferreira.
Fonte: Astormentas

DÁ-ME A TUA MÃO

Dá-me a tua mão.

Deixa que a minha solidão
prolongue mais a tua
— para aqui os dois de mãos dadas
nas noites estreladas,
a ver os fantasmas a dançar na lua.

Dá-me a tua mão, companheira,
até o Abismo da Ternura Derradeira.

José Gomes Ferreira

O NOSSO MUNDO É ESTE

O nosso mundo é este
Vil suado
Dos dedos dos homens
Sujos de morte.

Um mundo forrado
De pele de mãos
Com pedras roídas
das nossas sombras.

Um mundo lodoso
Do suor dos outros
E sangue nos ecos
Colado aos passos…

Um mundo tocado
Dos nossos olhos
A chorarem musgo
De lágrimas podres…

Um mundo de cárceres
Com grades de súplica
E o vento a soprar
Nos muros de gritos.

Um mundo de látegos
E vielas negras
Com braços de fome
A saírem das pedras…

O nosso mundo é este
Suado de morte
E não o das árvores
Floridas de música
A ignorarem
Que vão morrer.

E se soubessem, dariam flor?

Pois os homens sabem
E cantam e cantam
Com morte e suor.

O nosso mundo é este….

( Mas há-de ser outro.)

José Gomes Ferreira

O GENERAL

("Depois de fortemente bombardeada,
a cidade X foi ocupada pelas nossas tropas.")

O general entrou na cidade
ao som de cornetas e tambores ...

Mas por que não há "vivas"
nem flores?

Onde está a multidão
para o aplaudir, em filas na rua?

E este silêncio
Caiu de alguma cidade da Lua?

Só mortos por toda a parte.

Mortos nas árvores e nas telhas,
nas pedras e nas grades,
nos muros e nos canos ...

Mortos a enfeitarem as varandas
de colchas sangrentas
com franjas de mãos ...

Mortos nas goteiras.
Mortos nas nuvens.
Mortos no Sol.

E prédios cobertos de mortos.
E o céu forrado de pele de mortos.
E o universo todo a desabar cadáveres.

Mortos, mortos, mortos, mortos ...

Eh! levantai-vos das sarjetas
e vinde aplaudir o general
que entrou agora mesmo na cidade,
ao som de tambores e de cornetas!

Levantai-vos!

É preciso continuar a fingir vida,
E, para multidão, para dar palmas,
até os mortos servem,
sem o peso das almas.

José Gomes Ferreira 

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