domingo, 9 de março de 2014

SÉTIMA ARTE, POR ORSON W. CALABRESE

Meu caro Cabé

Na sequência da conversa que tivemos no bar da Lena, já lá vão bem mais de três meses, durante a qual falámos dos conteúdos do blogue de que és responsável, lembro-me que veio à baila a hipótese de eu  escrever, para o Poet’Anarquista, um ou outro texto avulso sobre cinema. Para ser completamente franco, devo dizer-te que me senti muito honrado com essa possibilidade. E logo decidi que sim, que escreveria esses tais textos. A única dúvida que me assaltou, e que tem atrasado esta carta, foi se eu teria a capacidade necessária e suficiente para corresponder à qualidade a que os leitores do blogue estão habituados. Como certamente recordas, ainda falámos do nosso comum amigo, Rufino Casablanca, que infelizmente já não está entre nós, e cujas crónicas sobre cinema têm sido, ao longo de anos, publicadas no blogue do também nosso comum amigo, Chico Manuel. Pois, meu caro Cabé, o facto de eu e o Rufino nos conhecermos muito bem, o facto de ao longo de muitos anos termos sido unha com carne, não quer dizer que eu saiba escrever sobre cinema como ele o fazia. A facilidade com que ele falava sobre questões da 7.ª Arte, tenho a certeza, eu não a possuo. Ainda assim, e como gosto de desafios, aqui te envio esta apreciação sobre um dos realizadores preferidos do Rufino. Com a devida vénia, é claro.

«O Tigre e a Neve»
Realização de Roberto Benigni
Roberto Benigni

“O Tigre e a Neve”

(Ainda em aparte, e como tu muito bem sabes, o Rufino era um tipo muito complicado. Por vezes, quando queria ir para Bencatel, rumava primeiro para a Mina do Bugalho. Nesta volta absurda, não estaria fora da sua ideia, encontrar-se primeiro com a Eveline Sambraz, que por essa altura já vivia naquele monte ali ao lado da ermida do Senhor São Brás.)

Pois bem, também eu vou começar este escrito como o Rufino o começaria: Correndo primeiro noutro sentido para depois chegar onde pretendia ir.

Cena do filme «O Tigre e a Neve»
Chegando a Bagdad

O Roberto Benigni realizou e foi um dos intérpretes deste filme.

Uma das várias personagens que eram poetas. O nome da personagem que interpretou chamava-se Atillio. E chamava-se Atillio porque Roberto Benigni, que no filme é poeta, quis assim homenagear um poeta italiano do século vinte, muito do seu gosto, e cujo nome completo era Atillio Bertolucci. Que por sua vez era pai do realizador de cinema Bernardo Bertolucci, bem conhecido de todos nós. Esta, é uma das curiosidades deste filme que o Rufino nunca deixaria de referir se fosse ele a escrever esta crónica.

Bem... vamos lá então ao “Tigre e a Neve”

Trata-se de uma comédia dramática passada durante a guerra do Iraque.

A ex-mulher da personagem interpretada por Roberto Benigni é apanhada em plena guerra e gravemente ferida.

Entra em coma.
Cena do filme «O Tigre e a Neve»
Tentando reanimar sua ex-mulher do coma

E ele vai imediatamente para Bagdad, tentando, de todas as formas, salvar aquela que ainda ama.

O filme conta-nos, entre cenas desesperadas e dramáticas, e outras burlescas, as tentativas e truques dele para tirar a antiga mulher daquele inferno.

Um filme interessantíssimo que, em muitos aspectos, nos faz lembrar o grande filme que Roberto Benigni realizou em 1997, “A Vida é Bela”.

Roberto Benigni/Nicoletta Braschi/Jean Reno
Contracenando em «O Tigre e a Neve»

A personagem feminina é interpretada por Nicoletta Braschi, que na vida real é casada com o realizador.

O filme conta também com a participação de Jean Reno. Desta vez, este actor francês, desempenha um papel secundário. Secundário, mas muito ao nível do grande actor que é. Desempenha o papel de um poeta iraquiano que acaba por se suicidar perante as atrocidades que vê serem cometidas no seu país.

É um grande filme, que conta uma história de amor, com uma realização segura e interpretações de muito nível.

Cenário de Guerra no Iraque
«O Tigre e a Neve», de Roberto Benigni

Foca um tema de grande importância (a guerra do Iraque) que, curiosamente, apenas tem sido levado ao cinema por cineastas americanos.

Tanto quanto sei – e admito não saber muito – Roberto Benigni foi o único realizador europeu a abordar este assunto no cinema de ficção.

E a forma como o aborda, meu caro Cabé, em minha opinião, tem muitas lacunas. Lacunas facilmente explicáveis pelo desejo de Roberto Benigni em que este filme tivesse, nos Estados Unidos da América, um êxito semelhante ao que tinha tido a sua – até agora – obra prima: “A Vida é Bela”.

Mas não vou meter-me por esse caminho. Isso implicaria passar a falar de política em vez de cinema.

Fiquemos por aqui.

Um abraço e até uma próxima ocasião.

Orson W. Calabrese
10/03/2014
«O TIGRE E A NEVE»
ROBERTO BENIGNI

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