sábado, 4 de julho de 2015

OUTROS CONTOS

«O Arquimortes», por Augusto Abelaira.

«O Arquimortes»
Conto de Augusto Abelaira

551- «O ARQUIMORTES»

A tua boa acção diária... E respondo ao Justino Soares que se vá embora descansado, que estou quase a acabar a crónica sobre política internacional (uns pozinhos do Monde, outros do Nouvel Observateur, deste, daquele), mas puxando a coisa bem mais para a esquerda, por descargo de consciência, aliás inútil, dado que a censura se encarregará de tosquiar esse “para a esquerda”, um “para a esquerda” difícil, de resto: o conflito sino-soviético, como poderíamos imaginar possível, há vinte anos, um conflito assim entre irmãos – mas que mundo é este em que somos obrigados a julgar as coisas nas bases postas pelos outros e não por nós, a aceitar dilemas que talvez sejam simplesmente problemas mal postos? Pois, que não se preocupe, eu trato da necrologia. “Pá – tinha-me ele dito –, combinei um encontro com uma gaja bestial e já estou atrasado ... “ Sim, a minha boa acção diária para que no exame de consciência, que aliás não farei logo à noite (falta-me o tempo!) possa sentir-me de bem comigo próprio, possa dizer-me que não sou um puro egoísta – muito antes pelo contrário sou capaz de sacrifícios (quais?) pelos outros: adio, neste caso, por quinze minutos (e quinze minutos, a brincar a brincar, são um nonagésimo sexto do dia), a minha saída deste antro detestado – mas como aproveitaria eu esses quinze minutos se não tenho como tu, Justino Soares, uma gaja bestial à minha espera (que nem estará à tua espera, pois acabará certamente por chegar ainda mais atrasada do que tu)? E, ao mesmo tempo que nas paredes brancas das casas do outro lado da rua a luz do Sol me obriga a desviar os olhos da janela, pergunto-me se tu, mulher que vais chegar atrasada, saberás que ele te trata por gaja, pergunto-me como te falará ele, como falarás tu – se nesse encontro não porão vocês um pouco de sonho, de palavras grandiloquentemente romanescas, a ilusão de que estão a viver um momento único, jamais vivido sobre a Terra, inesquecível, um momento que irá prolongar-se por muitos anos, que fará do mundo, de todas as coisas, uma doçura verde de erva molhada (sim, uma doçura verde de erva molhada) ou se terão somente a lúcida consciência de colherem da vida o resíduo mais imediato e provisório – resíduo sem memória futura, tão identificado com o presente que até já passou. Ou então, se haverá realmente, Justino Soares, alguma mulher, a calma repousante dum rosto de mulher, duns compridos cabelos de azeviche (que é o azeviche?), dumas palavras que desejas ouvir e nunca ouviste, se não terás falado assim para te safares do jornal, do trabalho irrespirável, e para que eu te inveje, neste fim de tarde, ao pensar daqui a uma hora que enquanto bebo café e converso. O arquimortes inutilmente com amigos sobre os boatos que já não há (aquelas velhas revoluções que estavam para rebentar no dia seguinte e que nunca rebentavam), tu, grande maroto!, te esfregas na cama com uma gaja bestial – mas, na realidade, ou porque ela não aparece ou porque nunca existiu, estarás, quem sabe?, a tomar uma cerveja, uma simples cerveja, na mais modesta das leitarias do teu bairro.

E se eu te armasse uma ratoeira? Se fosse à tua procura por todos os cafés de Lisboa e ao encontrar-te dissesse cruelmente: “Então essa gaja?” Que me responderias, conquistador imaginário? Mas se essa mulher não existe e tu procuras apenas um pouco de sonho, invocando-me como testemunha para dares mais realidade ao sonho, então porque lhe chamas gaja em vez de princesa das laranjas de oiro, mulher de branco, raio de sol, porque te apostas em sonhar tão baixo?

(Penso na Guilhermina, casada com o Eugénio, nas conversas que temos, nos encontros que evitamos, naquele nosso último diálogo em que elipticamente concluímos que nem sequer valia a pena tentarmos uma aventura fugaz, porque ela acabaria por um fracasso.) Sim, a China, a U. R. S. S., e terminei – a censura que faça o resto, ela decidirá o que o público deve ou não saber, decretará a verdade. Pego depois na lista dos mortos (a tarefa do Justino Soares, a boa acção que hoje me imponho), ouço-me dizer, lendo o primeiro nome (Manuela dos Santos Cruz): “Vamos lá matar esta cambada!”, como se todos aqueles mortos permanecessem vivos até o instante em que eu lhes baixasse os nomes ao papel, tornando público o que até aí fora privado e desconhecido, inexistente, portanto. Ouço-me dizer, falo verdade, porque a frase (“Vamos lá matar esta cambada!”) não a inventei eu, tem uma voz que não é a minha, vou buscá-la ao Arquimedes Meneses e Castro, que tinha a seu cargo a actualização necrológica dos ficheiros do jornal. Para mim, tarefa ao que eu pensava mais, complexa, reservara o registo complementar:

Os novos heróis que iam nascendo para a glória. Nascendo para a glória! Que sensação estranha a minha, porque não confessá-lo?, quando introduzia um novo nome no ficheiro, um Prémio Nobel, por exemplo, um desses homens que tinham descoberto a dupla hélice, a estrutura última dos genes, que se entretinham a ler no ADN o romance das nossas vidas! E precisarei de acrescentar que, ao incluir no ficheiro esses recém-nascidos para a glória, me sentia igual a um deus criador, como se fosse eu a dar-lhes vida? E a dar-lhes vida já com mais de quarenta anos, aliviando-os assim da tortura sem nome de terem sido crianças e adolescentes, dos tormentosos anos de aprendizagem, do ABC, dos exames, da tabuada, do sarampo, nascidos homens feitos afinal – (e não foste tu, Guilhermina, que me falaste da tua juventude como de uma época terrível?). Mas esta sensação, penso agora, não a tive espontaneamente, autonomamente, ela imitava, até certo ponto, embora ao invés, os sentimentos profundos do Arquimedes.

Porque o Arquimedes, que poderia desempenhar a sua função discretamente, esfregava as mãos sempre que alguém morria, dava gritos de satisfação (Olá! Olá!), abria o ficheiro aparatosamente, e mal acabava de escrever com letra gótica as palavras fatais (falecido em tantos de tal de mil novecentos e qualquer coisa) relia-as em voz alta para que tão importante acontecimento a ninguém passasse despercebido. Baixinho, calvo, muito pálido, sessenta anos, era geralmente um homem triste, mas pouquíssimo cheguei a saber da vida dele para além destas simples aparências. Ao que parece e apesar do nome aristocrático, pertencia a uma família extremamente pobre, tirara um curso comercial com grandes sacrifícios e dizia-se que a mulher o enganava, mas provavelmente isto era falso, resultava da comparação do seu aspecto (um homem apagado) com a frescura dela, muito mais nova, mulher aparentemente com sangue na guelra, vistosa (vi-a uma única vez, e pelo braço do marido, a descer a Avenida da Liberdade num domingo de santos populares). Quanto aos interesses do Arquimedes, nunca consegui descobri-los, não discutia futebol, nunca lhe vi um jornal desportivo nas mãos, nem sequer um romance policial, nunca consegui imaginar como ocuparia o tempo em casa, se via televisão, se coleccionava selos, se faria palavras cruzadas ou se votara no general Humberto Delgado.

Alegria, alegria verdadeira, só me lembro de lha ver nos dias em que alguma sumidade, dessas que bem ou mal têm honras de arquivo, passava desta para melhor. “Vamos lá matar mais este gajo!”, anunciava-nos, esfregando as mãos, como se fossem àquelas mãos que estivessem presos os ténues fios da vida (aprecia a expressão, Guilhermina, os ténues fios da vida!). Olá! Olá! Alegria que talvez não se tivesse manifestado logo de início, talvez nem ele próprio conseguisse localizar o dia exacto (o morto exacto) em que descobrira a sua verdadeira missão neste mundo, o seu destino mais autêntico, o seu papel sobre a Terra. Eu próprio... Quase direi que nem dera pelo Arquimedes, apesar de trabalharmos juntos todos os dias, porque quando dou por ele, a primeira vez, em suma, que olho para ele com olhos de ver e não como se olha para um simples objecto igual a milhares de outros objectos (humanos?, não humanos? – o ordenado que recebo não dá margem para ver humanidade nos homens que tenho de dirigir), a primeira vez que dou por ele, dizia, que penso nele a sério durante alguns momentos, já o Arquimedes era o que depois vim a considerar ilusoriamente que sempre fora. 

Decerto, por detrás desse juízo definitivo estavam muitos meses de observação distraída em que ele não me aparecera ainda como um sujeito dotado de certos atributos, mas sob a forma simples dos próprios atributos: não um homem calvo, mas calvície, não um homem pálido, mas palidez, não um homem triste, mas tristeza – sim, essa tristeza, atributo sem sujeito (atributo ao qual eu não dera ainda sujeito) nesses dias em que os mortos, porque eram simples e puros mortais, em vez de imortais (um Picasso, um Stravinsky), não precisavam de ser mortos. Precisamente: dei-lhe um sujeito, descobri-o para além das aparências ao ver que num desses dias de homens mortos-mortais ele folheava desencantado o ficheiro com a esperança de que algum já lá estivesse, fosse afinal um grande homem (os outros, os homens vulgares, que ao morrer prescindiam dos serviços dele, desprezava-os, considerava-os mortos de nascença). E por vezes surpreendi-o a reler o jornal (a ler até a necrologia, que, toda a gente o sabe, é nos jornais a vala comum dos homens vulgares) na vã esperança de encontrar algum morto-imortal – e o êxito, apesar de tudo, certos dias alcançado, a satisfação com que gritava: “Apanhei-o! Ah, o maroto que se me ia escapando!” O maroto que assim quase se lhe escapara, e que por pouco ia conseguindo ficar vivo ad aeternum, era o Matisse, o Thomas Mann ou o Bertrand Russell, cuja morte, bem à portuguesa, vinha noticiada no mais obscuro lugar da mais obscura das páginas. Muito corado, esfregando as mãos, lia em voz alta a data do nascimento, fazia contas, e se por acaso o morto tinha ultrapassado os noventa anos não escondia a sua indignação. De caminho, invadido por uma suspeita, consultava as outras fichas para saber as idades de quantos se obstinavam em ficar vivos. “Nunca mais os matamos?”, perguntava, como se brincasse, mas a sério – e à espera que eu lhe abrisse a luz verde para a ambicionada hecatombe universal. “O gajo não nos terá escapado?”, insistia, a ficha do Picasso na mão, sofrendo com a ideia de que aquele (ou outro) continuasse clandestinamente vivo. Porque para o Arquimedes, e isto não é insinuar que conhecesse Platão (o Arquimedes era um filósofo espontâneo, tenho de o dizer), o arquivo do Diário da Tarde transformara-se no mundo dos arquétipos, esse mundo longínquo do qual tudo o mais é sombra na caverna.

De facto, caso quiséssemos saber com rigor se um Thomas Mann era vivo ou morto, onde, senão no arquivo, poderíamos encontrar a resposta? Certo dia, sujeitou ao meu exame um cálculo perturbador: dez por cento dos mortais-imortais incluídos no ficheiro ainda estavam vivos, o que, explicou, era estatisticamente improvável num arquivo de personalidades que se distribuíam por cerca de quarenta séculos desde Amenofis IV (não sei bem porquê o ficheiro começava com este adorador do Sol) até o último coronel que fez ontem (ou há-de fazer amanhã) mais uma revolução fascista já não me lembro (ou não sei ainda) em que desgraçado país. Objectei-lhe que o número parecia razoável se o comparássemos com o que sucedia em Lisboa: efectivamente, tanto quanto sei, a percentagem dos lisboetas vivos é bem mais elevada ainda, orçando pelos cem por cento.

O argumento perturbou-o e ele não se atreveu a dar-me resposta imediata, mas no dia seguinte contra-atacou, recorrendo sempre a demonstrações de ordem estatística: trinta por cento dos mortais-imortais vivos ainda e registados no ficheiro (no Arquétipo, como diziam os graciosos sem graça nenhuma lá do jornal) já deviam ter setenta e nove anos (média exacta). Recorria à minha comparação com Lisboa: “Acha crível que trinta por cento dos Lisboetas andem à roda dos setenta e nove anos, mais mês menos mês?” Objectei como pude (concedo que o argumento era de peso) e alguns dias depois o Arquimedes propôs-me que matássemos o Picasso, por ser pouco provável que ainda pudesse estar vivo. Limitei-me a uma dúvida: que data havíamos de escolher? (Se nos amamos, Guilhermina, se nos entendemos como tu não te entendes com o Eugénio, como eu não me entendo com a Helena, porque não tentamos a grande aventura? Porque a experiência nos ensinou que o amor passa, que dentro de um ano já não nos entenderemos assim e que portanto não vale a pena ensaiar o que está destinado ao fracasso e que seria somente a repetição de experiências que ambos já tivemos, tu com o Eugénio, eu com a Helena?)

Os brincalhões do Diário da Tarde, que já haviam inventado a história do Arquétipo, começaram então a chamar-lhe o Arquimortes (também, por vezes, e com a mesma falta de humor, o Arquimorto). Já então o dia que ele sempre recordava com saudade era uma certa segunda-feira em que nada menos de sete homens geniais haviam morrido. “Hoje vamos aqui matar uma porção deles”, dissera, mal me vira, e associando-me à sua própria alegria, pois falava na primeira pessoa do plural.

Felizmente sou um anónimo sem honras de arquivo, um desses homens que nem sequer são sombras na caverna, pois lhes falta o Arquétipo, um desses homens que não chegaram portanto a existir (e que recusam – recusamos, Guilhermina – a vida. Porque ninguém, nem mesmo nós, poderia roubar-nos os próximos meses da nossa aventura, futuro breve que ficaria indestrutivelmente conservado nas nossas memórias. Porque lhe fugimos, porque nos negamos um passado inviolável, nós a quem nada mais resta do que a morte próxima ou longínqua?). Sim, um anónimo sem honras de arquivo – de contrário ficaria horrorizado mal sentisse poisados sobre mim os olhos do Arquimedes. Para ele, a pouco e pouco fui-o percebendo, a vida era a inevitável concessão que um universo imperfeito se vira obrigado a admitir para que a morte, substância de todas as coisas, pudesse triunfar. Nisto nesta visão niilista, (e profunda!) do cosmos reencontrava-se ele, aliás, embora de forma mais genial e prática, com toda uma família de grandes espíritos que desde a aurora do mundo têm visto no homem um cadáver adiado um momento de negatividade na positividade do nada.

Certo dia encontrei-o-na rua, os olhos presos ao Teixeira (o Teixeira, o Álvaro Teixeira, o poeta que tanto admiro, jovem ainda com os seus noventa e dois anos!), e que nesse momento, apoiado na sua bengalinha, conversava já não sei com quem, contribuindo, só porque existia, para um acréscimo de imperfeição no universo. Observei de longe o Arquimedes, antes de me aproximar, e quase posso garantir que lhe vi uma foice, uma longa foice na mão. “Por aqui?”, disse-lhe depois, ainda aterrorizado No azul tranquilo, mas rico de imperfeição, da tarde que anoitecia, vi perfeitamente evolar-se a foice que ele segurava, deixando no céu um ténue rasto de fumo que se prolongou sobre Lisboa por muito tempo (falou-se dessa nebulosidade no boletim meteorológico da televisão). Alguns dias adiante tive de ir ao Arquétipo para lá introduzir um novo gigante acabado de entrar no tablado da fama (com trinta e cinco anos!) e, por acaso, saltou-me à vista o verbete do Teixeira – devidamente falecido, embora no ano seguinte. Um pressentimento levou-me a consultar as fichas do Picasso, do Stravinsky, do Casals, então ainda vivos (ou considerados vivos por toda a gente, incluindo os próprios – mas a opinião destes é evidentemente subjectiva e interessada, não dá quaisquer garantias de verdade). Se o Teixeira fora morto daí a um ano, o Stravinsky fora-o daí a dois, o Picasso daí a três, o Casals... Outro pressentimento forçou-me a procurar alguns nomes por mim recentemente ali introduzidos (o Luria, o Delbrück, etc.), esses novos vivos que as marés do talento iam substituindo aos mortos. O Arquimortes não os matara directamente, limitara-se a retirar-lhes as fichas, negando-lhes assim que tivessem chegado a existir.

Ainda perplexo, sem coragem de chamá-lo à ordem, ouvi-o dizer num dos seus raros dias de fraqueza confessional: “Conseguiremos alguma vez pôr unicamente mortos naquela gaveta?” Conseguiremos e não conseguirei, ó irmão!

Preciso agora de acrescentar-te, Guilhermina, que o Teixeira veio efectivamente a morrer no ano seguinte, que o Stravinsky morreu dois anos depois, que todos os dias abro o jornal com receio de que o Casals e o Picasso...? Precisarei de acrescentar-te que o proibi de continuar aquela tarefa?

Mas a partir de então a alegria varreu-se-lhe do rosto, nunca mais ninguém lhe ouviu dizer olá!, enquanto esfregava as mãos, tornou-se um homem triste (tornou- -se tristeza, atributo sem sujeito), um homem irrealizado, um homem que perdera o ser, alguém que já não podia introduzir no mundo imperfeito um pouco de perfeição, e despediu-se do Diário da Tarde com um argumento sem pés nem cabeça, abandonando assim uma empresa à qual estava ligado havia mais de trinta anos.

Leio o nome da Manuela dos Santos Cruz, mulher humilde (ao contrário do Arquimedes sou hoje um matador de gente humilde) e sinto que estou a adiar-lhe a morte, que não morrerá enquanto eu não lhe puser o nome no jornal, que posso até deixá-la em suspenso se não lhe puser o nome no jornal (mas amanhã quantas pessoas protestariam por tê-la salvo? Mesmo sem bens de raiz precisa de ser morta para que os vivos possam herdar-lhe a pobre mobília). Hesito... Poderei matar quem nunca chegou a existir no mundo das essências, no Arquétipo do Arquimortes, quem, portanto, nem sombra da caverna chegou a ser, quem nem sequer era sombra duma sombra? Decido-me, pura ilusão que és, mato-te friamente (vejo as minhas mãos ensanguentadas), agora estás definitiva-mente morta até para aqueles que, por nunca pensarem em ti, não tinham ainda posto outra cruz à frente do teu nome, Manuela dos Santos Cruz. E escrevo, tão pouco!, logo abaixo do título: “Faleceu a senhora D. Manuela dos Santos Cruz, de quarenta e quatro anos, natural da Azinheira, casada, residente na Rua Braga de Melo, 17, 1.º, Esq. O funeral, a cargo da Agência Rebordão, realiza-se amanhã, pelas quinze horas, da sua residência para o cemitério de Benfica.” O nome seguinte... (não, não era o teu, não era o meu, Guilhermina, porque nós já morremos há muito tempo ao desistirmos um do outro), o nome seguinte é o de Arquimedes Meneses e Castro, casado, sessenta e dois anos, natural de Portunhos (costumava dizer que era de Lisboa, receava que o considerassem provinciano).

Não, Arquimedes Meneses e Castro, vou passar por cima do teu nome – a ti, até porque já ninguém te recorda e ninguém dará portanto pela tua falta, não serei eu a matar-te, vou deixar-te vivo para sempre, vou deixar-te vivo para a eternidade!

Augusto Abelaira

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