segunda-feira, 4 de abril de 2016

OUTROS CONTOS

«O Trem de Bordeaux», por Marguerite Duras.

«O Trem de Bordeaux»
«La Gare Saint Lazare : Arrivée d'un Train»
(Claude Monet)

769- «O TREM DE BORDEAUX»

Eu tinha dezasseis anos. E naquela idade ainda parecia uma menina. Estava regressando de Saigon em um trem nocturno, o trem de Bordeaux, foi depois do amante chinês, mais ou menos em 1930. Eu estava ali com minha família – meus irmãos e minha mãe. Creio que haviam duas ou três pessoas mais nos oito assentos do vagão de terceira classe, e também havia um homem jovem em frente a mim que me olhava. Parecia ter uns trinta anos. Devia ser verão. Eu sempre trajava estes vestidos claros das colónias e os pés nus com sandálias. Não tinha sono. Este homem me fazia perguntas sobre minha família e eu lhe contava como se vivia nas colónias, as chuvas, o calor, as varandas, a diferença com a França, as caminhadas pelos bosques e o exame de graduação que iria passar naquele ano, coisas comuns de uma conversa em um trem, quando se revela a própria historia e a da família.

De repente, nos demos conta de que todo mundo dormia. Minha mãe e meus irmãos tinham dormido bem depressa quando saímos de Bordeaux. Eu falava baixo para não desperta-los. Se me tivessem ouvido contar as historias da família, teriam me proibido com gritos e ameaças. Nossa conversa, em sussurros havia adormecido aos outros três ou quatro passageiros do vagão. Então, este homem e eu éramos os únicos despertos e foi assim que tudo começou, exactamente ao mesmo momento e intensamente com um único olhar.

Naquela época não se falava dessas coisas e especialmente naquelas circunstancias. De repente não conseguíamos mais conversar. Não podíamos nem mesmo nos olhar e permanecemos ali prostrados. Fui eu quem disse que deveríamos dormir para não estar cansados na manhã seguinte. Ele estava próximo à porta e apagou a luz. Entre ele e eu havia um assento vazio. Eu me aconcheguei, dobrei as pernas e fechei os olhos. Ouvi quando ele abriu a porta, saiu e voltou com uma manta que estendeu sobre mim. Abri os olhos para sorrir e agradece. Ele disse: “Durante a noite eles desligam a calefacção e de madrugada faz frio”.

Dormi.

Despertei com sua mão quente e suave sobre minhas pernas. Deslizando lentamente pelo meu corpo. Abri os olhos levemente. Percebi que ele olhava atento para os outros no vagão, tinha medo. Com um movimento bem suave, avancei meu corpo em direcção a ele e o toquei com meus pés.  Eu os entreguei a ele, e ele aceitou. Com os olhos fechados segui cada um de seus movimentos. A principio eram lentos, depois, cada vez mais pausados e contidos, até o final, o deixar se levar pelo gozo tão forte, como se tivesse gritado.

Por um longo período nada aconteceu, apenas o ruído do trem. Parecia ir mais rápido e o ruído passou a ser ensurdecedor. Depois voltou a ser suportável. Colocou outra vez sua mão sobre mim. Era selvagem, ainda estava quente, tinha medo. Apertei com minha mão e a soltei. Deixei ela livre. O ruído do trem voltou a ser forte. A mão se retirou, ficou longe de mim por um bom tempo, já não me lembro, acho que dormi.

Ele retornou.

Acariciou meu corpo inteiro e acariciou meus seios, o ventre, os quadris, com uma espécie de doçura as vezes interrompida pelo desespero do desejo que retorna. As vezes sua mão parava. Uma vez sobre o sexo, tremula, disposta a morder ardente outra vez. E logo se ia. Pensava, raciocinava, se punha amável para dizer adeus à menina. Em torno a mão, o ruído do trem. Em torno ao trem, a noite. O silencio dos corredores dentro do ruído do trem. As paradas que despertavam as pessoas. Ele desceu durante a noite. Quando abri os olhos em Paris, seu assento estava vazio. 

Marguerite Duras

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